– Um poema de Sidney Giovenazzi –
Acordo com os pássaros
São meus pensamentos
voando desordenadamente
Voando um voo de que não canso
Durante o dia
danço na vida como um corpo sem pensamentos
Muitas vezes me vejo como um louco irresponsável
o antes-sim
ante sinais de negação
Sou amante do acaso
dependente dessa droga da pureza
e da ejaculação da filosofia jactante
Quem me excita
é o inútil
O que me apraz
é a inutilidade
Só enxergo o que se esconde
E é assim
que busco a verdade:
o fértil
na esterilidade
Barulho para mim
é o eu secreto de alguém que me avisa
sobre um cativeiro seguro
Não consigo evitar o torpor à volubilidade da aparência
e a beleza física é mesmo
a exata deformação causada pela intensidade
do interior espesso
Ou então o belo é apenas a arte –
uma cadeia de elos que torna tudo simétrico –
correntes para voar
Tudo aceito
como um preço que não se pode pagar
No interior do inapreensível
eu vejo e sinto
como se minha língua percorresse sem beijos
a morosidade do tempo escorregando como orvalho
sobre a árvore da vida
em que posso observar
a poética de um organismo
cada secreção feliz
cada bravata insípida –
toda uma singeleza infantil
como lágrimas de piada
Mas volto a mim
e adormeço
Sonhos não maravilham
um desperto que voa como vento
nas cidades e nos corpos poeirentos
sem dor
nem incômodos julgamentos
e ri
sem nenhum pudor
Há um júbilo constante no descompromisso
quando me comprometo somente à essência irritantemente bela de alguém
Acordo com os pensamentos em revoada disforme
Acordo esperando mais um dia de adoração
Assim como amo o vão
adoro as secreções infalíveis
as bravatas translúcidas
a criança de memória senil
Eu sou o contador de piadas
o anti-não
o disto voador
Acordo esperando mais um dia de adoração
e orgasmo
Sou disto tudo
o voador
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Sidney Giovenazzi é músico e poeta em São Paulo, SP.
A imagem é reprodução de The Young Rembrandt
as Democritus the Laughing Philosopher, de Rembrandt